Moral Progressista num Mundo Vigiado
Esse BBB 21 me trouxe uns questionamentos, pra começo de conversa é o primeiro BBB que acompanhei, o que a pandemia fez comigo não é mesmo?
E o Twitter ficou inflamado com tretas que envolvem causas sociais importantes sendo protagonizadas lá dentro por pessoas que, como todos nós, tem fraquezas psicológicas bem visíveis. Por conta dessas fraquezas psicológicas eles passam uma imagem ruim para essas questões.
Além disso, houve toda a questão do Lucas ter sido cancelado dentro da casa, através do isolamento, e as pessoas do lado de fora cancelando a Karol Conká, e todo o debate envolvendo o cancelamento e seus problemas. Tudo isso para introduzir sobre o que eu vou realmente falar, vamos por partes!
Qual era a intenção com o cancelamento?
Primeiro é preciso entender porque o cancelamento surgiu. A justiça não funcionava e ainda não funciona para grupos minoritários, portanto na prática manter as pessoas unidas em torno de uma causa e criar um linchamento virtual pareceu uma forma efetiva de passar a mensagem de que a partir de agora certas coisas não serão mais toleradas.
Isso não foi algo pensado, foi um fenômeno espontâneo criado pelo contexto que havia nos idos de 2008 a 2012. Os progressistas criaram seus blogs, perfis, grupos do Facebook, canais do YouTube, e comunidade se fez, e em 2014 o campo de batalha nas redes estava montado, mais tarde os grupos em reação a isso se organizaram e surgiram também. Então o conceito de cancelamento só existiu porque antes existiram as redes sociais, essas comunidades e a injustiça na nossa percepção. Então a intenção era levar uma mensagem de progresso, moral e assim trazer a todos para uma sociedade melhor onde todos são respeitados.
Isso obviamente não funcionou, e não é porque existe a pouco tempo, esse ativismo de internet tomou o mundo e o mercado abraçou isso no ocidente numa velocidade que jamais poderia imaginar, ele pode ser considerado um sucesso até certo ponto, mas faltou uma coisa muito importante!
A Psicologia do Ativista
Vale dizer que até 2010 não existia, por exemplo, mulheres trans que podíamos ter como referência, todas as referências de beleza eram as mesmas dos anos 90(o famoso padrão), tudo isso que estamos conversando era mato. Como essa pauta impactou a vida de muitas pessoas, quem era voz nesse começo virou referência bem rápido, e isso é algo muito gratificante. Muitos eram artistas e construíram carreiras em cima disso, não foi meu caso porque sou de exatas. E esse sucesso da causa no âmbito coletivo e pessoal inflou demais o ego de muita gente, e como a pauta no fundo é sobre defender o que nós somos enquanto indivíduos, bastava dizer porque eu sou “mulher, trans, bi, etc…” para dar sua carteirada e lacrar. Isso cria um cenário muito difícil de fazer autocrítica.
Tanto porque acreditávamos que ajudamos muita gente, e de fato deu para ajudar muita gente, eu mesma ajudei com dezenas de pessoas trans em seus processos judiciais. Tanto porque a bolha era relativamente grande e dava para criar uma vida, um networking enorme dentro dela somente. Porque tudo se mantinha através da união, do sectarismo, então repetir a mensagem sempre rendia mais frutos que questionar os métodos.
A psicologia de quem está fora da bolha
Eu melhorei muito psicologicamente, saí da bolha e fui viver uma vida longe de toda essa militância, por conta da minha família vejo pessoas mais velhas, do interior, pessoas que nunca puseram o pé na universidade pública, pessoas que foram criadas com valores simples e conservadores e vivem bem com eles.
Me dei conta que nós esperamos demais das pessoas, isso inclui nós mesmos é claro. Nós somos como máquinas que repetem o que dá certo, graças aos neurotransmissores que vivem em nossa cabeça, não somos tão racionais quanto pensamos. Seríamos racionais se lêssemos a descrição de uma ideia que parece melhor e aderimos de imediato, mas nós vivemos de hábitos, de construção de conexões com as pessoas que importam para nós. E quem deixará a sua rede de pessoas, o que seus pais ensinaram e o que sua comunidade(tipo a igreja) ensinou por causa do que alguém falou na internet?
Com isso já começamos a entender que a ideia punitivista de cancelamento não tem futuro algum, ela é mais do mesmo, dividir o mundo entre quem está do lado da suposta luz e quem não está. Já que estamos falando de punitivismo vamos falar de lei e moral então? Afinal no fundo são a mesma coisa, o ativismo busca a justiça através da união e colaboração entre quem se sente injustiçado.
Lei e Moral no mundo vigiado
A lei e moral foram criados de forma a coibir atitudes que prejudiquem o grupo, a sociedade. Mas agora vivemos num mundo muito vigiado por nós mesmos, afinal queremos expor o que temos de bom para oferecer, para conseguir contatos, amigos, relacionamentos, desabafar, entreter e muito mais. Cedemos nossa privacidade por alguns benefícios que não queremos perder por conveniência, e agora colhemos as consequência, umas delas é que as ferramentas que nos servem, se voltam contra nós pelo julgamento do nosso lado ruim.
Sabe aquela famosa frase: “não conhecemos alguém, até conhecer de perto”? Pois é, de perto ninguém é normal, ninguém é são, e todo mundo é bem complicado de lidar. E daí temos que retornar ao principio fundamental de combater o mal em nossa sociedade, e a maior parte desse mal é cometido pelas fraquezas e defeitos psicológicos que nós temos.
A lei e a moral num mundo vigiado é que devemos nos basear em uma outra lógica, para além da mera punição.
O ideal que queremos: o combate ao “mal”
Nos anos 90 foi lançado um filme chamado Minority Report onde crimes eram previstos por computadores e isso criava uma sociedade distópica. Entretanto devemos pensar em primeiro lugar porque isso é considerado distópico?
Porque o sistema judiciário que temos hoje, tem um viés punitivista e é altamente enviesado contra grupo minoritários especialmente os etnicos-raciais. Se tivessemos um sistema com um viés muito pequeno(porque zero é impossível matematicamente), e que usasse sua habilidade preditiva para podemos agir antes em cima de poipulações marginalizadas, em dificuldades materiais e psicológicas, e identificar individuos perigosos e danosos antes de cometerem um mal contra alguém teremos finalmente uma sociedade utópica. As pessoas se esquecem como a diferença entre um futuro utópico e um distópico é tão pequena, quase que um ajuste de parametros basicamente.
O dia em que tivermos um mundo profundamente vigiado, e sim estou já tratando como uma questão de tempo, teremos a faca e o queijo na mão para criar o inferno para as minorias, ou criar a utopia em que os potenciais criminosos são encontrados, seus danos previnidos e mitigados e garantimos uma vida digna e extremamente segura a todos. Não só não há outra forma de fazê-lo como seremos obrigados a ter esse debate quando isso for viável de ser implementado.
Um mundo em que política, justiça e psicologia se unem
Por isso naturalmente haverá o estudo multidisciplinar que unirá direito, políticas públicas e psicologia, e finalmente tratar as questões de moral, ética, crimes e infrações diretamente em sua raiz, que é a construção do mundo psicológico íntimo de cada um(que não será mais íntimo).
Isso não ocorrerá do dia para a noite, haverá muita luta pela privacidade, contra o punitivismo, e para uma revisão desses conceitos enraizados no direito. Essa luta será uma consequência inevitável das disrupções tecnológicas que a sociedade passará nas próximas décadas, e acredito que a privacidade não vencerá, no entanto nos adaptaremos de uma forma que não imaginamos e por isso esse texto pareça meio absurdo em 2021, mas esse é o rumo para o qual estamos indo, e escrevo para que quem leia já vá mais preparado. Tenha um ótima dia, e obrigada para quem leu até aqui.